A culpa não era minha, mas carrego como se fosse
Quando a morte seria um alívio, mas o passado não morre
Hoje, irei escrever sobre um assunto delicado, até para mim mesmo. Este não é um texto analítico ou profissional, mas sim um diário sobre algo que tenho dificuldade de falar (apesar de não admitir). Se você tiver uma opinião diferente, tudo bem – esta é apenas a minha visão.
Acho que posso dizer que sou fã de Taylor Swift e, particularmente, considero as letras de suas músicas muito bem escritas. Consigo enxergar temas que vão além de ex-namorados e acredito que ela se expressa de forma excepcional por meio das palavras. Nesta newsletter, quero interpretar uma das músicas da Taylor que mais mexem comigo: Would've, Could've, Should've e quero alertar que a lerei sob a perspectiva de abuso sexual.
Sempre que eu ouço essa música eu lembro de uma coisa que aconteceu comigo e isso faz a música ter um significado muito maior para mim. A primeira vez que eu ouvi parecia que ela estava dilacerando minha alma, pois mostrava um assunto que eu fingia não dar atenção mas que em meu interior era determinante em minhas ações.
Para mim essa música soa como uma crise de ansiedade que está em crescente escala, onde sua cabeça passa por mil pensamentos silenciosos -mas muito barulhentos - de arrependimento, trauma e culpa, e cada verso reforça esses temas de maneira intrínseca. E, embora a música não cite abuso sexual explicitamente, essa é uma das formas como eu a interpreto.
“And if I was a child, did it matter
If you got to wash your hands?”
A criança aqui é mostrada como um símbolo de vulnerabilidade e a menção a "wash your hands" evoca Pontius Pilates (referência bíblica à lavagem de mãos como gesto de desresponsabilização), mostrando que o outro personagem se absolveu de seus atos. Não importaria o quanto vulnerável fosse, porque o outro iria se tornar irresponsável por seus próprios atos.
“And I damn sure never would've danced with the devil
At nineteen
And the God's honest truth is that the pain was heaven”
A narrativa da música utiliza analogias religiosas para representar a fé como um ato de pureza e "dançar com o diabo" como um desvio de sua essência. A letra retrata alguém que, ainda jovem e ingênua, se envolveu com uma pessoa manipuladora e destrutiva, mas extremamente persuasiva, fazendo com que o que era considerado errado parecesse apenas uma fonte de prazer. Essas relações tóxicas costumam seguir um ciclo interminável de euforia e destruição, expondo a terrível contradição humana de buscar de em lugares que nos ferem.
“And now that I'm grown
I'm scared of ghosts
Memories feel like weapons
And now that I know
I wish you'd left me wondering”
Mesmo depois de crescer, ela ainda teme os 'fantasmas' do passado, que podem ser interpretados como versões anteriores de si mesma. As memórias descritas como armas só mostra como nosso cérebro pode transformar o passado em algo ainda mais doloroso. Quando lembramos de uma memoria que dói e encaramos a pessoa que éramos naquele momento temos a tendência de nos julgar por tudo - muitas vezes por coisas que nem foram nossa culpa. Nossa cabeça nos pergunta, se poderíamos ter feito algo diferente, reforçando momentos de culpa injusta.
If you never touched me, I would've
Gone along with the righteous
If I never blushed, then they could've
Never whispered about this
Pensamos na mais diversas possibilidades mas no final costumamos mudar nossas ações e trata-las como erradas ou como um gatilho para a próxima ação que é a que a gente não queria que acontecesse.
God rest my soul
I miss who I used to be
The tomb won't close
Pedimos ajuda a quem antes era um suporte, um conforto pois não sabemos mais quem nós somos temos uma fenda aberta e ela não quer se fechar.
If clarity's in death, then why won't this die?
Years of tearing down our banners, you and I
Living for the thrill of hitting you where it hurts
Give me back my girlhood, it was mine first
Se a morte vem depois de tanto tempo por que ainda carrego isso? Talvez porque a cura signifique apagar parte de quem ela é agora. Ao sentir falta de quem foi um dia, ela reconhece que o trauma que passou moldou sua identidade — mesmo contra sua vontade. Isso a obriga a viver com uma identidade fraturada, onde o passado e o presente entram em conflito constante.
Os “e se” que ecoam em nossa mente
Nos pegamos presos em possibilidades infinitas, tentando ver mentalmente os acontecimentos para que o desfecho fosse diferente. Muitas vezes, repensamos nossas ações e determinamos como erradas, como se tivéssemos provocado os eventos que tanto queríamos evitar. E isso é um ciclo comum para nós - pessoas que sofremos traumas - mas ficar se martirizando com os “e se” que só botam você como vilão da história ou como um roteirista que busca controle sobre algo que já passou, e que nunca esteve em nossas mãos. As ações de terceiros são imprevisíveis — não podemos escolher por eles, nem enxergar o cenário da mesma forma que enxergavam naquele momento. Mesmo sabendo disso racionalmente, a nossa mente insiste em revisitar esses cenários, alimentando uma culpa que não nos pertence. E, às vezes, essa culpa pode não pertencer nem a outra pessoa — tudo depende da perspectiva. No entanto, claro que existem situações aonde isso não é aplicável e tem realmente um lado certo e errado, ainda assim essas situações são raras para não dizer quase impossíveis.
Se a culpa nem sempre pertence a nós, nem necessariamente à outra pessoa, então talvez ela seja, muitas vezes, um peso criado pela nossa própria percepção dos acontecimentos. A forma como interpretamos o passado pode nos prender ou nos libertar, mas isso não significa que sempre houve uma escolha certa que deixamos de fazer.
Eu mesma, na época que me referi anteriormente não vi a situação com seriedade e nem como uma coisa que pudesse me marca tanto, hoje vejo o como isso moldou quem eu sou hoje e talvez eu teria agido diferente para evitar certos devaneios de personalidade.
Ainda que existam situações onde o erro e a injustiça sejam evidentes, na maioria das vezes, os eventos são mais complexos do que uma simples divisão entre certo e errado. Viver buscando um culpado — seja nós mesmos ou os outros — pode nos impedir de seguir em frente, e por isso hoje eu tendo não culpar a mim nem as pessoas envolvidas. No fim, talvez a verdadeira libertação esteja em resignificar aquela vivência e aceitar que nem tudo tem uma explicação clara ou um desfecho que possamos mudar.
I regret you all the time
E mesmo assim, eu me arrependo de você todo tempo!
O ladrão de individualidade
E apesar de tudo isso, é extremamente difícil, isso pode e vai ferrar com nossa cabeça. Muitas vezes perdemos nosso senso de identidade, como se nosso agressor tivesse roubado ela e perdêssemos a chance de recuperá-la; a autonomia que tínhamos antes sobre nossas escolhas se esvaísse e só sobrasse a culpa e a mancha deixada pelo assassinato de nossa identidade.
Será que existiria alguma possibilidade de eu ser uma pessoa sem culpa?
Nossas memórias afirmam que somos muito mais vulneráveis e que temos um 1complexo de culpa onde sempre somos os principais vilões da nossa história. Vivemos procurando aquela pessoa que se perdeu apesar de saber que não se pode voltar a ser como era.
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Complexo de culpa refere-se a uma crença persistente de que você fez ou fará algo errado. Além de sentimentos constantes de culpa e preocupação, um complexo de culpa também pode levar a sentimentos de vergonha e ansiedade.
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